domingo, 29 de outubro de 2000

Juquitiba / Brasil

Era uma vez, no Brasil, quando uns amigos combinaram uma aventura todo-terreno, era para ser um fim-de-semana de churrasco, trilhas lamacentas e muita diversão, nada que já não tinham feito antes. Mas dessa vez era para acampar no meio do mato e seguir um road book que tinham arranjado com uns conhecidos... Encontram-se já numas bombas de gasolina à saída da Cidade de São Paulo, estavam presentes dois publicitários e suas namoradas, um com um jipe Engesa e outro com um Lada Niva, um mecânico e seus dois filhos (ajudantes de mecânico) com um Jeep CJ5, um senhor dentista de 60 anos e mais dois amigos com Jeep Willys, este ultimo acabou por comprar um Defender uns meses depois, mas isso nada tem com esta história, por agora.

Chegaram já de tarde à cidade de Juquitiba (uns 50Km de S.P.), onde iniciava o tal road book (RB), foram abastecer os carros e comprar umas provisões num mercadinho local. Reuniram-se para conversar e familiarizem com o RB, foi aí que verificaram que o percurso total era de 120Km e todo ele dentro de uma reserva ecológica sem povoações nem estradas principais. Também perguntaram uns para os outros quem tinha sido o responsável pelo churrasco, como ninguém se acusou ficou sem efeito e cada um levava umas sanduíches pra remediar.


Separam-se em dois grupos de 2 carros cada para encontrar a entrada e inicio do RB. Duas horas depois e muitas voltas já estavam a ficar confusos, voltaram para reabastecer pois já tinham gasto 1/4 de depósito e ainda nem tinham começado a dureza. Os dois publicitários separaram-se e foram a bombas diferentes e combinaram de se reencontrar depois. O do Engesa decidiu cortar caminho e ficou atolado numa subida e acabou com um amortecedor partido, o do Niva ficou sem bateria (com algum curto circuito) e ficou parado no meio de um caminho qualquer. Depois de se desenrascarem sozinhos se reencontraram, já era noite.

Finalmente passaram da nota nº1 e logo em seguida encontraram a primeira dificuldade, a segunda, a terceira... Tiveram de passar por dentro de uma Fazenda e para tanto pediram permissão para entrar, os moradores não viam com frequência muitas pessoas da cidade grande, aliás não viam ninguém há muito tempo, tanto que um deles quase não sabia falar! Deixaram a última povoação pra trás e a madrugada passou e ninguém parou pra descansar, muito menos para o tal churrasco. Depois da noite cheia de obstáculos e dificuldades veio o Domingo e com a luz do dia pode-se ver que naquela picada já não passava nenhum carro a vários anos, o caminho estava muito coberto pela vegetação e quase todas as pontes estavam destruídas pelo tempo e pelas chuvas. A paisagem era incrível, intocada e absolutamente natural, pois como era uma reserva ecológica não era permitido modificar nada.

Ao passar por um pântano, surgiu outra enorme dificuldade, uma piscina de lama e uma subida impossível sem alternativas. Pás e picaretas cavaram e reconstruíram a passagem, nenhum dos carros passou sem a ajuda do guincho mecânico do CJ5, mesmo depois de 2 cintas partirem com o esforço. O espírito de entreajuda e a camaradagem eram fundamentais naquele ambiente cru e duro. Seguiram pelo Domingo adentro até se aperceberem que não iriam chegar a casa até o fim do dia. Acamparam provisoriamente por algumas horas para descansar e seguiram caminho antes do sol da Segunda-feira nascer, ainda com a esperança de chagar com algum atraso no trabalho.

De manhã passaram por rios e mais pontes apodrecidas, alguns seguiam com mais dificuldades que os outros, pela pouca experiência que tinham. Até que depois de uma outra ponte surgiu uma curva enlamaçada que o Engesa não conseguiu fazer e com a velocidade que vinha embateu nas árvores e atolou, ou melhor atascou, numa posição pouco favorável. Como o grupo já estava a ficar cansado de tanto trabalhar a falta de bom senso resolveu ajudar, ou melhor atrapalhar. Resolveram puxar o carro com os outros três carros em simultâneo, e como estavam numa curva os primeiros da frente não podiam ver o que estavam fazendo mais atrás. O Engesa foi rebocado até tombar de lado e como não tinha um dos amortecedores a mola da suspensão caiu pra fora do carro. Depois de tudo desvirado e consertado seguiram caminho com a atenção redobrada.

Mais a frente começaram a ouvir o som da queda d'água, onde seria um alívio para um banho depois de tanto suor. A Segunda-feira já estava a chegar ao fim e ainda faltavam muitos quilómetros até a civilização. Ultrapassada a cachoeira com os carros e com a ajuda de muito guincho, chegaram a uma zona aberta e alta onde podíamos tentar usar os celulares (telemóveis), mas como era uma região desabitada, não havia rede de cobertura, assim ninguém podia avisar a família que ainda estava vivo.

Pararam e acamparam pela segunda vez, reuniram-se para decidir o que iriam fazer. Pelo RB ainda faltavam 40Km até a saída, cada um dos quatro carros só tinha 1/8 de combustível. A situação estava a ficar complicada, já não havia mais comida e a exaustão pelo trabalho braçal e a falta de dormir estava a pesar. Decidiram transferir o que restava do combustível dos carros para apenas um deles, o que tinha o guincho mecânico, pois o outro carro com guincho eléctrico já havia queimado. Os mais destemidos e resistentes seguiram caminho pela noite adentro, levaram 4 ou 5 jerry cams para reabastecer, enquanto os outros descansavam, pois nada mais podiam fazer. Cada um deles escreveu um número de telefone num papel, para quando conseguissem chegar a uma cidade, avisassem as famílias que iriam demorar mais um dia a chegar a casa.

Depois de apenas mais 10Km que haviam deixado o acampamento o Jeep quebrou e não conseguiu seguir caminho, foi uma falha na embraiagem. Mas como o mecânico estava com eles, passaram a noite a arranjar o carro. De manhã já prestes a seguir caminho tiveram uma surpresa agradável (uma das poucas), encontraram outros dois Jeeps que vieram em resgate no sentido contrário, eles eram da família do Sr. Dentista, vieram buscar o Pai que não conseguiu chegar a casa. Alegres e com as esperanças renovadas voltaram pra trás e foram buscar combustível para os carros restantes. Também fizeram os telefonemas para aliviarem as famílias preocupadas com o "desaparecimento".

Ainda de manhã a esquipe de resgate voltou para o acampamento e reencontrou com o restante do grupo a acordar de ressaca naquela Terça Feira. Levaram alguma comida para aliviar a fome e o precioso combustível para poderem sair daquela selva. Não foi o fim do passeio, ainda haviam 40Km de dificuldades, mas nada que não fizessem despreocupados e com confiança depois da experiencia que ganharam nos últimos dias.


Exaustos, com 4 ou 5 quilos a menos no peso, sujos de lama, sem tomar banho por 4 dias nem lavar os dentes, com sono, frio e fome ainda tiveram o espírito para uma última foto em grupo. Depois já na viagem de volta vieram a saber que já eram procurados pela Policia como desaparecidos.

Quinze dias depois, recompostos e com muitas histórias para contar, encontraram-se para jantar e confraternizar, mas já não eram os mesmos indivíduos que iniciaram o passeio naquele Sábado, eram sim um grupo de amigos que juntos superaram uma grande dificuldade e que de certo modo cresceram e aprenderam a respeitar a porra da Natureza.

Mais fotos em: http://www.labareda.com/tt4x4/thumbnails.php?album=10

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